
Há pessoas que marcam sua passagem pela vida de forma inolvidável, pela capacidade de trabalho, amizade, respeito, liderança e tantos outros fatores determinantes, próprios da natureza humana. Se as boas ações são fundamentadas na formalização do aspecto humano, da cidadania, as más ações igualmente. Não é necessária a coexistência, a familiaridade, a naturalidade, para a apreciação de alguém ou não. No caso em pauta, há a lembrança de um ‘estrangeiro/feirense’, se é que podemos tratá-lo assim: Charles Albert Penckofer, natural de Missiones, na Argentina, mas feirense de coração, pois aqui se radicou e viveu momentos felizes, como ele sempre dizia.
A imprevisibilidade da vida, ou o que está reservado pelo destino e não sabemos, conduz a história de cada um, muitas vezes com episódios inimagináveis. Charles Albert, cantor de voz afinada, bailarino, tapeceiro e pintor – um artista plástico completo – conheceu André Signoret, nascido no Chile e, como ele, talentoso nas artes. Logo, ambos tiveram acesso aos palcos festivos, não demorando a integrar o grupo musical Los Mexicanitos, uma ‘banda de baile’, como era denominada na época, de grande sucesso em alguns países da América Latina.
No Brasil, na década de 1960, foram muitas as excursões de Los Mexicanitos, tanto no sudeste como no norte/nordeste. O ritmo caribenho, marcado pelas maracas, tambores e metais, enriquecido pela dança sensual dos bailarinos e pelos românticos boleros de autores mexicanos e espanhóis, garantia sempre grande público onde o grupo se apresentava. Em 1967, durante mais um giro pelo Nordeste, Los Mexicanitos seguia para a cidade de Vitória da Conquista quando o veículo que os transportava capotou, destruindo os equipamentos, instrumentos musicais e parte do vistoso guarda-roupa utilizado pelos artistas.
O destino deu destino certo a Charles e André. Aqui, logo estavam exibindo seus dotes artísticos como pintores, decoradores, costureiros e tapeceiros. A programação da Micareta da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense, uma das três agremiações sociais da cidade, exatamente a mais popular e de grande frequência, foi o cartão de visita dos dois artistas, que deram um toque decorativo inovador para a surpresa e satisfação da diretoria do clube, encabeçada pelo advogado José Falcão da Silva, que foi prefeito do município em três oportunidades.
As portas se abriram para Charles e André. A tapeçaria da dupla passou a decorar mansões e órgãos públicos como a Prefeitura Municipal. De fácil diálogo, ‘los hermanos’, assim eram vistos, enriqueceram as ruas centrais da cidade durante a Micareta, com belíssimas decorações, qualidade também imprimida aos carros alegóricos, ocupados pela rainha da festa, princesas e o rei momo. A obra dos dois artistas tinha algo mágico que encantava o público, talvez a grande dose de amor por eles empregada em cada obra, em cada peça.
Igualmente surpreendente foi o trabalho dos dois na confecção de fantasias de luxo que o Brasil estava acostumado a ver pela televisão, nas transmissões do Carnaval do Rio de Janeiro, e que, a partir do final da década de 1970, chegaram a Feira de Santana, através de Clovis Bornay, Jesus Henrique, Evandro de Castro Lima, Wilza Carla, Mauro Rosas e outros de dimensões praticamente inatingíveis pela fama ostentada. Mas Charles Albert e André, como mágicos, tiraram do chapéu a extrema técnica que detinham e nivelaram Feira de Santana aos grandes desfiles de fantasias de luxo do Rio de Janeiro e São Paulo, garantindo para a Princesa do Sertão o direito de figurar ao lado dessas duas metrópoles nesses belos espetáculos. Charles, naturalmente elegante, vestia com extrema desenvoltura as fantasias que desenhava e confeccionava com o ‘hermano’ Albert.
‘Tesouro de Machu Picchu’ e ‘Vaqueiro ao Luar do Sertão’, uma retratando o misterioso e avançado povo inca no Peru, e a outra mostrando a realidade do sertão baiano, que começa em Feira de Santana, além de ‘México, Passado, Presente e Futuro’, que correlacionava a participação do Brasil na Copa do Mundo de 1970 no México, foram as fantasias de luxo de Charles e André mais premiadas no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Mas outras tantas mostraram igual qualidade e deixaram o público encantado, como: ‘Cleópatra, a Rainha do Nilo’, ‘Toureiro em Noite de Gala’, ‘O Poder do Ouro Negro’, ‘A Dama dos Espelhos’, ‘Dom Pedro I e a Rainha de Santos’, ‘No Azul do Profundo Mar Azul’. Esses dois talentosos artistas – Charles e André – não nasceram na terra de Senhora Santana, sequer em solo brasileiro, mas projetaram e amaram Feira de Santana de tal maneira que aqui fizeram história e escreveram o último capítulo de suas vidas.
Por Zadir Marques Porto
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Foto: Divulgação – Arquivo ZMP



